Soluções subterrâneas mitigam enchentes de mudanças climáticas
13 de agosto de 2024
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Foto: Ministério de Terras, Infraestrutura, Transporte e Turismo do Japão.

Desafiadas por mudanças climáticas extremas, as soluções de manejo de enchentes são uma emergência, em diversas partes do mundo. Para o Dia Mundial dos Oceanos (celebrado em 8 de junho), a National Geographic Brasil publicou uma lista de países que podem desaparecer pelo aumento do nível do mar. Nas Maldivas, por exemplo, constituído por 1,2 mil pequenas ilhas, um aumento de 45 cm no nível da água levaria à perda de 77% da área terrestre. A previsão dos pesquisadores do Union of Concerned Scientists é de que isso se realize até 2100, ou antes.

Tratar de enchentes, atualmente, inclui aspectos humanos, civis, legais. A comunidade internacional precisa solucionar o lapso legislativo que responderia à pergunta: “se meu país foi inundado, e não existe mais, qual é minha nacionalidade?”. Mas essa complexidade de escala planetária se manifestou recentemente no Rio Grande do Sul, quando em torno de 90% dos municípios foram atingidos pela água. A pergunta se torna familiar: “se a água destruiu minha casa e o terreno não existe mais, onde foram parar minhas propriedades?”.

A resolução desses problemas sociais se dá de forma lenta, e muito dificilmente se pode chegar a um nível de concordância e de justiça satisfatórios para pessoas e para governos simultaneamente. Por outro lado, o trabalho da engenharia no controle de enchentes apresenta sucessos significativos e resistentes ao tempo.

Engenharia do progresso

É nesse contexto que o engenheiro civil, professor do Departamento de Geotecnia da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP e gerente da Themag Engenharia, Tarcísio Barreto Celestino, concede entrevista ao PBEsc News. Entre 2016 e 2019, ele foi presidente da International Tunnelling and Underground Space Association (ITA). Reconhecido como autoridade em seus campos acadêmico e profissional, Celestino comenta a implementação de soluções subterrâneas. O pesquisador e diretor técnico da Pedra Branca Escavações, Luiz Guilherme Isfer Maciel, é um dos entrevistadores. Os exemplos de Tóquio e Kuala Lumpur servem de inspiração para visionários brasileiros.

Para o professor, o controle de enchentes passa pela criação de espaços subterrâneos, de modo que a água flua naturalmente. "Se você cria um espaço subterrâneo, pronto, a água fica quieta lá embaixo e depois é conduzida de volta aos cursos d’água, longe dos problemas", afirma. Ele enfatiza que a falta dessas estruturas pode ter consequências desastrosas, como as enchentes no Rio Grande do Sul. "As enchentes cobram um preço bem mais alto que o das obras", pontua. As soluções subterrâneas se mostram uma alternativa eficaz, mesmo em cidades com fisiografias complexas.

Catedrais de Tóquio

Com um histórico de inundações frequentes devido a sua baixa altitude e topografia desfavorável, Tóquio construiu uma das mais avançadas obras de engenharia hídrica do mundo, o Canal Subterrâneo de Escoamento da Área Metropolitana. De acordo com o Ministério de Terras, Infraestrutura, Transporte e Turismo do Japão, trata-se de “uma das maiores redes de drenagem subterrânea do planeta”.

Canal Subterrâneo de Escoamento da Área Metropolitana. Foto: Ministério de Terras, Infraestrutura, Transporte e Turismo do Japão.

Localizado a 50 metros abaixo da superfície, é um sistema de canais projetado para redirecionar o excesso de água dos rios menores e medianos para o Rio Edogawa. Esse último tem maior capacidade.

Ainda de acordo com o governo japonês, as obras começaram em março de 1993, e foram concluídas em junho de 2006. Foram 13 anos de construção, com a intenção de proteger a capital dos efeitos dramáticos das enchentes, em uma solução “duradoura e sustentável para um problema persistente”.

Celestino argumenta que "um país devastado pela guerra, com economia estraçalhada, que entendeu que precisava de infraestrutura de qualidade para ser o que é hoje".

Os reservatórios do projeto são descritos por Celestino como "verdadeiras catedrais subterrâneas, espaços gigantescos, maiores que os metrôs". Neles, a água das enchentes é armazenada e, posteriormente, bombeada, levando-a a locais conectados pelos túneis. Do subsolo, a água é devolvida aos cursos naturais.

Canal Subterrâneo de Escoamento da Área Metropolitana. Foto: Ministério de Terras, Infraestrutura, Transporte e Turismo do Japão.

Relativamente “caríssima” em termos de articulação política, de financiamento, e de execução, a obra colocou um ponto final no ciclo de destruição pela água em Tóquio. Tal ciclo era um impedimento para o progresso japonês, uma vez que as mesmas estruturas tinham de ser reconstruídas a cada inundação. Sem a obra, o crescimento econômico de Tóquio e do Japão ainda estaria sujeito à violência da água. "Não tem economia que vá para a frente desse jeito", considera.

Soluções brasileiras

No Brasil, a cidade de São Paulo implementou algumas soluções para mitigar enchentes, como a construção de polders (áreas de terra recuperadas da água com uso de drenagem, similar ao usado na Holanda) em áreas críticas da Avenida Marginal do Rio Tietê. Para Celestino, há espaço para melhorias.

Outro sucesso foi o reservatório subterrâneo da Praça Charles Miller, no bairro do Pacaembu, com projeto da Themag Engenharia.

Até o início dos anos 1990, a principal via do bairro, a Avenida Pacaembu, era palco de enchentes frequentes, que causavam prejuízos e degradação de uma área nobre. A solução consistiu na construção de um reservatório subterrâneo sob a praça instalada no início da avenida.

Diferentemente de Tóquio, uma condição topográfica favorável dispensou a necessidade de bombeamento. O reservatório amortece os picos de vazão, e a água é conduzida por gravidade ao Rio Tietê pela mesma galeria. “Há mais de vinte anos não há enchentes na avenida. Por se tratar de um reservatório subterrâneo, ao fim das obras, a praça foi devolvida ao público”, incentiva.

Para resolver os problemas do Rio Tietê, o professor defende a criação de um túnel que conduza a água dos rios Tamanduateí e Tietê para áreas menos suscetíveis a inundações. "São Paulo é uma cidade que está numa bacia sedimentar, então é uma bacia com soleiras de rocha pré-cambriana", ensina. O geólogo Luiz Ferreira Vaz sustentou a ideia de um túnel que cruze a soleira de rocha, a partir da proximidade da confluência dos rios Tietê e Tamanduateí, até a região de Santana do Parnaíba. Esse túnel poderia também ser usado para desafogar o tráfego de veículos nos dias sem chuva.

Ao redor do mundo

Existe ainda a possibilidade de utilização dos túneis para o tráfego urbano. Celestino traz o exemplo de Kuala Lumpur, onde um túnel multifuncional foi construído para gerenciar enchentes e para aliviar o tráfego. "O túnel Smart (Stormwater Management and Road Tunnel) é usado para o manejo de cheias e, nos outros dias do ano, serve para o tráfego", demonstra.

A implementação de tais soluções no Brasil, no entanto, enfrenta desafios de variadas naturezas. Celestino reconhece que, apesar da tecnologia e do conhecimento existentes, questões econômicas e políticas podem dificultar a adoção de projetos ambiciosos. Para ele, “existe o conhecimento de engenharia, mas parece faltar ousadia de vencer a inércia em alguns tomadores de decisão”.

As experiências de Tóquio e Kuala Lumpur servem como um farol para cidades como Porto Alegre e São Paulo, que enfrentam desafios similares. "Engenharia tem solução", conclui Celestino, ao reforçar que com planejamento e investimento é possível mitigar os efeitos devastadores das enchentes.

Publicado por PBEscNew


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